Devil May Cry
Devil May Cry (Imagem: Netflix)

Quem jogou Devil May Cry sabe que a franquia é muito mais do que espadas gigantes e pistolas duplas. Por trás da ação, existe uma história densa, uma carga emocional pesada e personagens com motivações reais, tudo isso temperado com um humor ácido e cenas que marcaram época.

Então quando a Netflix anunciou a série animada, o coração bateu mais forte. Mas bastaram alguns episódios para perceber que, embora visualmente interessante, a adaptação deixou de fora cenas e elementos dos jogos que são simplesmente fundamentais. Não é questão de preciosismo, é que esses momentos definem o que é Devil May Cry.

1. O aparecimento de Vergil foi bom, mas cadê o peso da rivalidade?

Vergil em sua forma humana
Vergil em sua forma humana (Imagem: Netflix)

Sim, a série termina com Vergil fazendo sua entrada e isso deixou muita gente arrepiada. Mas o ponto é: Devil May Cry 3 constrói essa rivalidade desde o início. Não é só sobre ele aparecer, é sobre entender por que ele é tão importante.

Nos jogos, a tensão entre Dante e Vergil é construída lentamente: tem duelo, tem discurso sobre poder e fraqueza, tem aquela clássica fala do Vergil:  “Foolishness, Dante. Foolishness…” que virou mantra de fã. 

Na animação, Vergil entra mudo e sai calado. E isso tira o impacto de uma rivalidade que, nos games, carrega toda a história dos irmãos filhos de Sparda. 

2. O despertar demoníaco de Dante foi jogado fora como se fosse qualquer coisa

Dante em sua forma Devil Trigger (Imagem: Netflix)
Dante em sua forma Devil Trigger (Imagem: Netflix)

Em Devil May Cry 3, Dante desperta seus poderes demoníacos no meio de uma surra. Literalmente. É ensanguentado, empalado e ainda assim levanta com um sorriso. O momento marca o nascimento do Dante que conhecemos, poderoso, debochado e sem medo de encarar o inferno.

Na animação, esse despertar é raso. Dante já aparece “pronto”, como se sempre tivesse sido assim. Faltou mostrar o conflito interno, a dor de aceitar o próprio sangue demoníaco, e o simbolismo por trás disso. É um marco do personagem que foi reduzido a uma simples queda de avião. Um desperdício.

3. Lady perdeu toda a intensidade

Lady na animação de  Devil May Cry (Imagem: Netflix)
Lady na animação de Devil May Cry (Imagem: Netflix)

A Lady dos jogos, principalmente no DMC3, é uma das personagens mais complexas. Ela carrega nas costas o trauma de ter sido traída pelo próprio pai, Arkham, e busca vingança com frieza e determinação. A dinâmica dela com Dante é de confronto, de respeito tenso, um equilíbrio que faz ambos crescerem juntos.

Na série, Lady é só mais uma aliada genérica. A treta com Arkham é mencionada, mas sem nenhuma profundidade. E a relação dela com Dante é completamente morna. O embate filosófico entre ela e o protagonista nos jogos, sobre especialmente o valor da humanidade, desaparece. E isso era uma das partes mais fortes da narrativa original.

4. O legado de Sparda foi tratado como nota de rodapé

Sparda: Devil May Cry
Sparda: Pai de Dante e Vergil

Nos jogos, Sparda não é somente “o pai do Dante”. Ele é o pilar de toda a lore da franquia. Foi ele quem selou o mundo dos demônios e criou um legado ambíguo que seus filhos carregam. A espada, os selos, a lenda… tudo gira em torno de Sparda.

Na série, há menções superficiais, mas nada é desenvolvido. Nenhuma explicação do que Sparda representa, nem de como isso afeta Dante e os outros. Até a espada, que nos jogos tem peso emocional e simbólico (não é à toa que ela muda de forma com a aceitação de Dante), passa batida. 

5. As Devil Arms, que são quase personagens nos jogos, foram totalmente ignoradas

Dante nos jogos
Dante nos jogos (Imagem: Capcom)

Por falar em espadas, se tem algo que define Devil May Cry além do Dante, é o arsenal absurdo que ele carrega. E não estou falando de armas genéricas, estou falando das Devil Arms, aquelas armas demoníacas únicas, cheias de história e personalidade. Alguém aí esqueceu da Nevan, da Cerberus, do Beowulf, da Agni & Rudra? Pois é… a série esqueceu.

Nos jogos produzidos pela Capcom, cada uma dessas armas tem um contexto. Cerberus, por exemplo, é um chefe que depois se transforma em nunchakus de gelo. Beowulf é um par de manoplas e grevas de luz, herdado depois de um duelo brutal. A Nevan, além de ser uma guitarra que dispara trovões, é uma boss sedutora. 

Na série, Dante basicamente usa a Rebellion e as pistolas, e só. Nenhuma menção às Devil Arms, nenhuma arma coletada, nenhum duelo com chefe que se transforma em item lendário. Isso é um erro grave, porque o uso dessas armas nos jogos representa o crescimento do personagem e a diversidade de estilos de luta. Cortar isso é como remover metade da alma da franquia.

A série tem potencial, mas precisa beber mais da fonte original 

A primeira temporada de Devil May Cry na Netflix foi um aperitivo. Tem clima, tem ação decente, tem ganchos. Mas para quem conhece os jogos, fica claro que a série só arranhou a superfície do que essa franquia tem a oferecer.

Não é sobre ser 100% fiel, é sobre entender o que não pode faltar. Vergil precisa ser mais que uma fala no fim do episódio. Lady precisa ter voz. Sparda precisa ter peso. E Dante precisa ser o Dante, aquele cara que ri na cara do inferno e ainda solta uma piada infame.

Se a próxima temporada abraçar isso de verdade, aí sim a gente pode dizer: Jackpot.